Regras antiquadas barram inovações em tecnologia no
país.
Algumas inovações criadas por empresas de tecnologia estão sendo
barradas por regras antiquadas do Judiciário — e não há sinais de que essa
situação vai mudar
Luiza Dalmazo,
de EXAME
São Paulo - Fundado nos Estados Unidos em 2008, o site Airbnb
permite que os proprietários de casas e apartamentos aluguem o imóvel ou um
quarto para turistas. A melhor medida de quanto essa ideia foi bem recebida no
mercado são os 10 milhões de pessoas que, nos últimos cinco anos, encontraram
uma hospedagem em um dos 192 países em que o site está presente.
Há poucas semanas, porém, o Airbnb sofreu um golpe em um de seus
principais mercados, a cidade de Nova York. Uma decisão da Justiça local
proibiu que o site fosse usado para estadas inferiores a 29 dias, um precedente
que, se copiado em larga escala, colocará em risco a própria existência da
empresa.
Nos Estados Unidos, startups são abertas e fechadas todos os dias e, à
primeira vista, o destino do Airbnb deveria importar apenas para seus usuários
e investidores. Mas o que tornou esse caso emblemático para toda a comunidade
de empreendedores foi o fato de escancarar como as leis podem ser usadas contra
negócios inovadores.
Em Nova York, os hotéis se sentiram incomodados com o sucesso do site de
hospedagem e, para barrar a competição, pediram a aplicação da lei que proíbe
proprietários de alugar seus imóveis por um período inferior a quatro semanas.
Quem insistiu em usar o Airbnb se arrependeu. Em maio, o dono de um apartamento
em Manhattan recebeu uma multa de 2 400 dólares por ter alugado seu imóvel.
A exemplo de Nova York, a província de Quebec, no Canadá, confirmou que
está investigando 2 000 pessoas por alugar suas casas sem permissão. Outros
países, como Holanda e Espanha, assumiram posturas semelhantes.
Casos como o do Airbnb têm se tornado mais comuns à medida que a tecnologia avança
na criação de novos produtos e serviços e acaba esbarrando no sistema legal.
Até gigantes como o Google vivem esse conflito. A empresa enfrenta, junto com
grandes montadoras, como Audi, BMW e Ford, a proibição dos testes de carros
autônomos, veículos que usam um conjunto de sensores e softwares de
inteligência artificial para substituir o motorista.
As leis de trânsito da maioria dos países exigem a presença de um ser
humano para controlar o carro. As montadoras planejam para o final do ano o
início da oferta de veículos capazes de se autoguiar a até 60 quilômetros por
hora. Além dos desafios técnicos, o Google e as fabricantes de automóveis têm
pela frente o desafio de convencer legisladores de todas as partes do mundo a
mudar as leis de trânsito.
O trabalho no front legal começou com o lobby do próprio Sergey Brin,
fundador do Google. No fim de maio, o Departamento de Transportes dos Estados
Unidos autorizou os testes com carros autônomos. Mas essa não tem sido a regra
em outros países.
Por três anos, os americanos Larry Downes, analista do mercado de
tecnologia, e Paul Nunes, diretor de pesquisas da consultoria Accenture,
estudaram o impacto legal da chegada de produtos inovadores ao mercado. O
estudo deu origem ao livro Big Bang Disruption (“Ruptura Big Bang”, numa
tradução livre), lançado recentemente nos Estados Unidos.
A conclusão desse estudo é que, na maior parte das vezes, os políticos
não dedicam o tempo necessário para entender novidades tecnológicas. “Em várias
partes do mundo, eles não são especialistas na área em questão e sofrem pressão
para reagir à novidade. Com isso, tomam decisões erradas”, diz Downes.
O exemplo clássico citado no livro foi protagonizado por Bill Clinton
quando ainda ocupava a Presidência dos Estados Unidos. Um dia depois do anúncio
do clone da ovelha Dolly na Escócia, em 1997, uma ordem foi emitida pela Casa
Branca banindo qualquer tipo de projeto de clonagem no país, interrompendo uma
série de pesquisas na área de genética que seguiam critérios rígidos de
segurança.
Passados alguns meses, o governo americano voltou a liberar as pesquisas
com animais e embriões. Empreendedores que não têm a mesma influência de uma
BMW ou um Google são forçados a alterar seu projeto inicial para escapar de
sansões.
“Às vezes, a solução é simples. Com apenas uma mudança de denominação,
evita-se um batalha legal”, diz a paulista Patrícia Peck, advogada especializada
em direito digital.
Recentemente, uma startup brasileira a procurou querendo lançar um
serviço de pagamento online chamado “cheque digital”. A lei do cheque, no
entanto, prevê a existência de um objeto de papel. Para evitar problemas, o
empreendedor batizou o serviço de “depósito digital”.
Do lado da lei
À medida que a criação de startups se intensificou no Vale do Silício
nos anos 90, ficou claro que, em muitos casos, as “velhas leis” seriam
essenciais para conter a empolgação com novas tecnologias que abriam brechas
para a ilegalidade. Um dos principais exemplos dessa época foi o Napster, um
site de compartilhamento de músicas.
A ideia da distribuição digital era excelente. O problema estava na
execução, já que o site foi invadido por gente que queria baixar de graça
conteúdos protegidos por direitos autorais. O Napster ignorou as reclamações da
indústria fonográfica, mas, depois que os processos judiciais começaram a
pipocar, os custos com batalhas legais acabaram levando a empresa à falência.
O novo teste para os tribunais e os políticos é o Google Glass, óculos
que permitem tirar fotos e interagir com aplicativos. Eles nem foram lançados —
a previsão é para o fim de 2013 —, mas já estão banidos em cassinos de Las
Vegas. O motivo é o possível uso da câmera embutida nos óculos.
A mesma restrição deve ser imposta dentro de aeroportos. Afinal, como
saber se o usuário do Google Glass estará checando e-mails ou colhendo
informações para arquitetar um ataque terrorista.
Pesquisa , Divulgação : Miguel Moyses Neto Se gostou
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